Este post foi batizado por acaso, pois, quando eu estava já com a janela do blogger aberta, resolvi dar uma olhadinha no orkut e me deparei com essa frase no perfil de uma amiga. Quem disse isso, através de seu célebre personagem Don Quijote de la Mancha, foi Miguel de Cervantes Saavedra (esse nome sempre me lembra a Emília do Monteiro Lobato).
Este post é sobre a loucura.
E disso ele, o Cervantes, entendia.
Desde que eu vim morar na Cidade Baixa, já com 5 meses de Porto Alegre, comecei a reparar na rua a quantidade de pessoas que costumam conversar consigo mesmas. Eu nem vejo isso como um problema, nem nada... Na verdade eu até admiro, acho de uma coragem ímpar o cidadão imaginar um companheiro, caminhando ao seu lado ou pousado em seu ombro, e travar verdadeiros diálogos - com direito a risos, expressões de espanto, admiração, raiva e até mesmo afeto - na frente de todos, sem se importar com julgamentos, risos ou galhofas.
Primeiro eu olhei com certa estranheza, como todo mundo, e comecei a formular algumas hipóteses... A mais forte delas era a de que eu não estava prestando atenção e que essas pessoas, que eu pensava estarem falando sozinhas, estavam na verdade usando o celular com fones de ouvido. A partir dessa constatação eu passei a observar melhor, olhando dentro das orelhas alheias. Hipótese descartada. Elas estavam realmente falando sozinhas. Foi então que eu comecei a entender essas pessoas e até mesmo admirar, como eu já disse antes. Depois de olhar para fora, comecei a olhar para dentro, comecei a observar os meus próprios atos, então veio a segunda hipótese. Quantas vezes eu peguei a mim mesmo falando sozinho... Não de maneira exacerbada, mas de leve, formulando respostas para perguntas ainda não feitas. É como num jogo de xadrez, em que a gente antecipa as jogadas pensando nas possibilidades que o adversário tem de se mexer, e nas que serão geradas a partir da próxima jogada, e da próxima, e assim sucessivamente. Para tornar mais real esse xadrez dialógico, personificamos nós mesmos o nosso interlocutor... em um nível mais extremo, até mesmo imitando vozes, trejeitos e características psicológicas do sujeito. Aqueles indivíduos (ou divíduos, se realmente acreditarem estar conversando com alguém) poderiam estar apenas formulando seus pedidos de demissão, imaginando como seria chegar junto naquela gostosa do segundo andar, ou até mesmo pensando no que falariam na próxima vez que algum operador ativo de telemarketing (é, eles têm disso de ativo e passivo e tal...) ligasse pra oferecer cartões de crédito.
Tudo bobagem, a terceira hipótese é que vale. Na verdade são espíritos carentes que precisam de um ombro amigo pra desabafar. Eles chegam de mansinho, na calada da noite, e assustam em um primeiro momento, mas logo logo os seus receptores se acostumam, começam a ver que ambos têm uma afinidade tremenda e daí pra sair pra tomar uma ceva na Cidade Baixa é um pulo.
Eu vinha procrastinando este post há horas, mas até foi bom, porque eu consegui amadurecer a idéia um pouco mais. Além disso, agora que eu vou contar o fato que desencadeou a minha motivação para escrever este texto sobre insanidade. E que fique bem claro, insanidade muitas vezes não é um defeito, pode ser até mesmo um bom diferencial, principalmente nas áreas por onde eu transito.
Na sexta-feira passada, em uma festa no Cabaré do Beco (Antigo Cabaré Voltaire), eu tomei conhecimento de um sujeito muito ímpar. Ele é conhecido como o Carinha da Escada. Como assim "O Carinha da Escada"? Exatamente, essa foi a pergunta que eu fiz ao meu amigo que me mostrou a figura. Explicando: o cara, trajado de jaqueta preta de couro, fica estaqueado durante a festa inteira (apenas com pausas para ir ao banheiro) embaixo da escadaria do lugar. Se fosse só isso não seria nada, pois ele poderia ter encontrado o seu lugar místico, sua mandala xamanística ou o-que-quer-que-seja-ístico ou espiritual. Mas não, ele além de ter o seu lugar reservado nessa espécie de cova, fica atento a cada subida feminina pela escada, estejam as mulheres de saia ou não. Daí fica um pouco mais bizarra a parada, mas ainda assim é um nivel de tara aceitável para padrões humanos convencionais, principalmente no eixo Bom Fim - Cidade Baixa. Não contente apenas com os vislumbres de coxas e virilhas de um ângulo privilegiado, ele ainda seleciona algumas candidatas e põe a sua mão em um dos degraus para ter os seus dedos pisoteados por elas. E depois cheira os dedos. Porras, daí ja virou um fetiche bizarro sadomasoquista em praça pública. Não dá pra ser condescendente e dizer que isso é normal. Falar sozinho é uma coisa, ser o Carinha da Escada é outra beeem diferente. Que fique bem claro, mais uma vez: Não estou condenado o infeliz, longe de mim, estou apenas colocando ele em um patamar diferente dos conversadores. Mas uma coisa é certa: é MUITO engraçado ver a cena acontecendo.
A noite foi divertida. A música tava boa, a companhia tava massa pra caralho e, além de tudo isso, tinha o Carinha da Escada. Sem noção. Voltei rindo sozinho pra casa. He. Hehe. Hehehe. Muuuuuu! Heheheheh. Muuuuuuuuuuuuuuuuuu... HaHaHaHaHa!
Crédito da ilustração: Rafael Sica.
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3 comentários:
Nossa Maumau o mesmo pensei eu qndo estive em porto alegre. Achei estranho pessoas falando sozinhas pelas ruas, resolvi observar algumas delas com mais atenção e vi que em muitos dos casos elas falavam com os tais fones de ouvido, engrçado isso, deve ser pq somos Pelotenses e ficamos pasmos ao nos confrontar com pessoas que conversam com fones de ouvidos, coisa que por essas bandas de cá a gente não encontra muito.
Fiquei com vontade de conhecer o senhor escada, mas agora ja não sei mais, não sei se suportaria presenciar tal cena, me causaria um tanto de asco. Falando em Monteiro Lobato, to lendo Alice no pais das maravilhas, Alice no pais do Espelho é uma adaptação dele. Enfim é um dos 9157652124874... Livros que estou lendo heehehe
Pois então fica a pergunta... LOUCURA SÁBIA OU SANIDADE TOLA?
Pois é, com certeza te causaria um enorme asco, eu cheguei a ver uma guria xingando o cara de cima da escada, hehehe. As pessoas que conversam solitas são inofensivas, é até legal observar aquela empolgação toda... Essa história da Emília é da propria adaptação do Dom Quixote que o Monteiro Lobato fez, e o que me lembra é o seguinte: A Emília, antes de a Dona Benta começar a contar a história, pega o livro e risca um dos "As" de "Saavedra", dizendo que não entendia porque aquela gastança de As, se a gente pronunciava um só (ou algo assim, eu li faz tempo, mas isso marcou). Falando em Dom Quixote, estou com a edição comemorativa dos 400 anos aqui em casa. Tá na lista, depois de O Mágico e Fábulas Italianas, hehhe.
E eu te devolvo a pergunta: Loucura sábia ou a sanidade tola?
Beijo.
Poxa! Não é bem assim! Eu fico olhando os pezinhos (e sapatos) que passam. Algumas gatinhas aproveitam e chutam a minha cara... mas "são coisas que acontecem"... "faz parrrrte!" Mas eu não cheiro os dedos depois de ser pisado.
Alguns chutes às vezes dóem - mas, de novo - "Faz parrrrte!"
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